28/04/2009

Expressionismo Alemão no Cinema
Tendo seu início em 1919 e ido até 1924, as obras criadas dentro deste paradigma traziam consigo o peso de uma estética afim do movimento SteamPunk - talvez graças a proto-tecnologia na qual estavam imersos e devido também a ter-se emergido recentemente da Era Vitoriana - carregando o peso do Zeitgeist daquele momento histórico.
Cenários, personagens, objetos de cena e até o estilo de atuação compunham uma sinfonia incomum, uma cacofonia de sensações a serem sentidas e imagens únicas a jamais serem esquecidas.
O Expressionismo Alemão é, contudo, maior do que o cinema e maior até do que o movimento artístico que a ele deu origem. Trata-se de um movimento de resistência a um mundo burguês, negando o racionalismo, a objetividade e a sistematização, contrapondo a fantasia à razão.
Decorrente e suplementar ao Niilismo de Nietzsche e das idéias de Freud, o artista expressionista se debatia contra o Real, projetando sobre ele as sombras da ilusão e do supra-sensível.
Ao não iniciados e aos que estão totalmente imersos no cientismo e na noção puramente denotativa do mundo objetivo, no qual o nosso se transformou, pode ser difícil fruir com facilidade a obra expressionista, mas não a tome como divertimento e sim como parte de sua formação cultural - como se fosse você visitante de um outro planeta ou de um outro tempo - e muito provavelmente o mérito inegável deste esforço artístico ache caminho até seu entendimento.
Infelizmente a programação começou já no dia 6 de Novembro, mas mesmo que você não consiga ver nenhum destes filmes na TV a Cabo, vale a pena procurá-los em outras paragens - seja nas prateleiras de locadoras, lojas especializadas ou mesmo baixando via Torrents, nos sites especializados (muitos destes filmes são já de domínio público).

“O Gabinete do Dr. Caligari” (1920)


Filme disponível em numerosas versões, de diferentes metragens, pode ser encontrado com durações que variam entre 51 minutos até 78 minutos, o que, a meu ver, torna a obra ainda mais interessante.
Evitando cânones e convenções do cinema que propunham um início e um fim bem definidos, “O Gabinete do Dr. Caligari” imprime um ritmo descomprometido com o espectador, em uma época em que o cinema buscava sua própria identidade como forma de expressão artística e não somente uma forma de diversão.
O personagem título leva para uma pequena cidade um espetáculo de hipnose de palco e, ao mesmo tempo, uma série de assassinatos começam a assolar a região.
Possivelmente o filme que inaugurou o gênero Terror, “O Gabinete do Dr. Caligari” é filmado como que da perspectiva de um louco, com ângulos excêntricos, uso magistral de luz e sombra e composições cenográficas magníficas de Walter Reimann, Walter Rohrig e Hermann Warnn, com colaboração de Fritz Lang no argumento.

“Nosferatu” (1922)

Uma livre adaptação do livro “Drácula”, de Bram Stocker, “Nosferatu” guarda pouca ou nenhuma relação com o SteamPunk, a não ser pelo “espírito de uma época” - o tal Zeitgeist - que muitos dos amantes do gênero identificam nas obras do Expressionismo Alemão.
Foi ordem da justiça, que todas as cópias da película fossem destruídas, contudo umas poucas sobreviveram graças a muitas terem sido já distribuídas e guardadas até a morte de Florence Balcombe, a viúva de Bram Stoker.
O filme fala da viagem de Hutter, um agente imobiliário que vai até os Cárpatos para se tornar o corretor do castelo do Conde Graf Orlock, sem saber que, na verdade, trata-se de um vampiro tenciona ir para a Alemanha, sorver do sangue das pessoas da região.
Fica a cargo de Ellen, mulher de Hutter, deter o monstro que por ela sente-se atraído.
Sendo hoje de domínio público, o filme está disponível em muitos formatos e, ironicamente, foi adaptado mais tarde por Werner Herzog, em um filme chamado “Nosferatu: Phantom der Nacht” (”Nosferatu, O Vampiro da Noite”, que passa no mesmo dia à 16:10).
Outra curiosidade fica por conta de, mais recentemente, E. Elias Merhige dirigir “A Sombra do Vampiro”, um filme com John Malkovich, no papel de Murnau) e Willem Dafoe - no papel de Max Schreck (que viveu Graf Orlock). O filme é baseado em fatos reais e fala da história da confecção de “Nosferatu”, explorando o fato de que Schreck era um ator de método ou, quem sabe, algo ainda mais soturno.
“A Sombra do Vampiro” vai ao ar antes de “Nosferato”, no mesmo dia, às 18:05.

“Metrópolis” (1927)

Esplêndida obra cinematográfica, “Metrópolis” inaugura o filme moderno de Ficção Científica com um argumento absolutamente atual - passado em 2026 - que foi então o filme mais caro até então filmado na Europa.
Desta obra também há várias versões, tendo sido a versão original - mais longa - somente vista em sua pré-estréia na Alemanha. Embora um quarto da filmagem tenha sido dada como completamente perdida, em Julho de 2008 um museu na Argentina apresentou o que estudiosos entendem como sendo uma cópia completa. A versão normalmente exibida nos dias de hoje foi reescrita por Channing Pollock.
Adaptado pelo próprio Fritz Lang em parceria com sua esposa Thea von Harbou, a autora do romance adaptado, “Metrópolis” narra um enredo que desde então sempre esteve em voga, uma sociedade totalitária corporativista, cercada de uma aristocracia cooptada que, por ser cooptada, tem acesso a regalias as quais o proletariado jamais terá acesso.
As classes mais baixas, em “Metrópolis”, embora mais numerosas, vivem na prisão sem grades da idéia de que devem trabalhar sobre as condições que trabalham, escravizados, sem sentí-lo, pelas máquinas que acreditam operar.
Freder, filho do cabeça da corporação que domina aquela realidade - um homem-feito, mimado pelos privilégios que sua condição lhe confere - vê-se de repente apaixonado por Maria, que desponta como líder da causa operária.
O filme é profético em demonstrar uma relação Homem/Máquina de interdependência, além de propor que tal realidade seria completamente inconspícua, indetectável e que sempre acharíamos estar no controle, independente do que ocorresse.
A preocupação do roteiro em visitar a necessidade humana de valorização da subjetividade e a otimista - embora talvez inocente - tendência a identificar o poder combativo do Homem ante a tirania, demonstram menos uma visão negativa que uma denúncia do que podemos nos tornar.
Dos elementos mais importantes do enredo é necessário fazer menção ao robô criado pelo pai de Freder, construído com o objetivo de ser o operário perfeito, que jamais se rebelaria contra seu criador, ambos os quais têm de ser destruído para que seja possível a mediação entre a Cabeça (a Aristocracia) e as Mãos (os Operários), que seria feita pelo desperto Freder.
É sabido que, tendo visto “Metrópolis”, Hitler procurou Lang e sua esposa, requisitando seus serviços para a confecção de propaganda Nazista, projeto abraçado por sua mulher enquanto Lang viu-se obrigado a fugir para Paris - fechando um ciclo de uma das ironias mais cruéis da história do cinema, onde o totalitarismo e tirania da vida imita a profecia e alerta que é a Arte.

“O Anjo Azul” (1930)

Independente de qualquer ligação estética com o gênero “Der Blaue Engel” é uma jornada pela miséria humana a altura do caráter distópico que muitos dos entusiastas identificam por entre toda nuvem de vapor, fumaça de combustíveis fósseis e gases tóxicos de metal fundido que se espalham pelo universo SteamPunk.
Mais destacado do Expressionismo Alemão em termos cronológicos, “O Anjo Azul” foi dirigido por Josef von Sternberg em 1930 - adaptado do romance “Professor Unrat”, de Heinrich Mann - e se transformando no que é considerado até hoje como o primeiro grande filme sonoro do cinema alemão.
Foi nesta película que Marlene Dietrich conseguiu notoriedade para depois acabar se tornando o mito que se tornou.
A trajetória cruel e humilhante que o filme faz a personagem de Emmanuel Rath percorrer descreve uma degradação que o leva de moralista educador de uma escola do ensino médio até a sargeta pré-Segunda Guerra Mundial, vendendo fotos de sua esposa nua para sobreviver.
“O Anjo Azul” conta, essencialmente, a história de alguém que perdeu-se pelo caminho, mas permite uma avaliação crítica muito mais profunda, passando pela estratificação, paixões humanas, obsessões carnais e das relações de poder na sociedade.
Permitindo-se analisar metáforas mais elaboradas, o espectador vai conseguir identificar que a decadência de Rath não é diferente da degradação da República de Weimar e da elite alemã quando da subida de Hitler ao poder.
De diversas formas “O Anjo Azul” é também um filme sobre totalitarismo… o totalitarismo do desejo equivocado e da ilusão de posse. “O Anjo Azul” representa essencialmente a perversão e obliteração total de valores que leva a personagem principal a deliberada e estupidamente largar tudo que tem, perdendo de vista até mesmo sua ética e a severidade moral que demonstra no início do filme.
“Ler” o filme com olhos literais é deixar de sorver de todo este entorno histórico social que narra a relação doentia da aristocracia alemã com o “Anjo Azul” içava vôo com a ascensão do Führer.

Conclusão
Ainda que a relação guardada entre o Expressionismo Alemão e o gênero SteamPunk seja, na maior parte dos casos, indireta, esta forma de expressão cultural sem dúvida é uma vasta fonte de inspiração literária, artística e até oferece uma paleta nova para a criação de panos de fundo para jogos de RPG.
A tão decantada distopia SteamPunk encontra seios opulentos no oceano de sofrimento, alienação e desespero que as personagens do Expressionismo Alemão se afogam acreditando estar matando a própria sede.
A estética angulosa e aflita, um grito preto e branco de desespero e frustrações, carrega a crueldade necessária para que a produção SteamPunk não esteja imbuída apenas de estética vazia, mas da angústia que um dia a dia tecnocrata e auto-destrutivo impinge sobre qualquer um que esteja sobre este jugo.

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